segunda-feira, 25 de outubro de 2010

TEATRO E O BRASIL: QUE TEATRO É ESSE?

Desde sempre, ou quase sempre, nosso referencial foi o imaginário além-mar, o velho mundo (e tem gente que acha o máximo saber “tudo” sobre teatro europeu, mas não sabe nada sobre a grandeza da alma de um povo em ebulição, nós, brasileiros); outros, por sua vez, deslumbram-se com os penduricalhos e cacarecos vindos diretamente da bróduêi, produções caríssimas, onde o mérito da montagem está justamente em custar caro. Bosta embalada em caixa de luxo. Temos também aqueles que seguram com unhas e dentes o privilégio(?) do pensamento acadêmico, arvorando-se em raízes coletivas irrigadas com seiva-sangue de cada um de nós e de nossos ancestrais. Você já parou pra pensar sobre isso? Que tempo é esse em que vivemos? Tempo onde a exploração e o abuso de poder, destroem toda a possibilidade de nos entendermos como ‘nós’ e não como ‘eu’, como ensinam os índios. Talvez esteja aí a raiz da construção do coletivo artístico. A obra de arte cênica é constituída de vários elementos, texto, gesto, luz, música, dança, figurino etc, além da contribuição individual de cada artista envolvido (atores, diretor, iluminador, cenógrafo, dramaturgo, direção de arte etc). Porém, é nítido aos sentidos dos espectadores bem como dos atores, quando uma apresentação não atinge o lugar da obra de arte cênica, lugar onde o lúdico aliado a reflexão levam artistas e platéia a criarem, juntos, a sensação de um ‘outro’ lugar, de outras possibilidades. Batata. Quando esse ‘outro’ lugar não acontece, quando a obra de arte cênica não captura o peixe dourado na rede tecida em cumplicidade entre atuantes e expectadores... tem mão de alguém desandando o tacho de Yayá. Tem gente sendo canibal, não no sentido Oxalá-Osvaldiano-Pajé-Antropafágico, mas no sentido de fera disfarçada em pele de cordeirinho, pronta pra devorar filhotes, como sempre foi na feitura do Brasil. A elite se fartando, claro que sempre as custas dos filhos da pátria Medéia-mãe gentil...e cagando na seqüência em cima de nossas cabeças. Qual ética que nos serve? A ética construída pelo homem branco, rico, exclusivo e excludente? Essa é a ética que vamos aceitar? Ou quiçá, nesse momento, não se faz o tempo-espaço da construção de um pensamento soberano da nação Brasil e do povo brasileiro. Lição de Darcy Ribeiro: “ O BRASIL TÁ AÍ. VÁ, INVENTE O BRASIL QUE VOCÊ QUER, CONSTRUA O BRASIL, POIS MUITA COISA PRECISA SER FEITA E NÃO HÁ TEMPO A PERDER Tudo está na natureza, encadeado e em movimento. Arte, política e ética, tripé de sustentação para a construção de um caminho para a América Latina. Um caminho, um atalho, uma saída digna, criativa e próspera que se faça presente no aqui e agora. País do futuro? Não. Obrigado. País do presente, agora e aqui. Se não meu irmão, não tem jeito. A alternativa é atuar, dentro e principalmente fora de cena. Atuar fora de cena, fazer de nossas vidas nossa própria obra, atuar coletivamente. Atuação política, porque se não, alguém vai atuar por nós. E como homem de teatro, uma coisa eu posso garantir: quando falamos em nome do coletivo, nosso discurso ganha força e eficácia, espécie de força e delicadeza que reside na lâmina da espada do samurai. Construir o coletivo. Esse é nosso desafio enquanto artistas e principalmente enquanto povo. Povo brasileiro. Oxalá Deus queira!Eduardo BentoCia. Teatro São Gonçalo Abração à todos. MERDA!!!

sábado, 4 de setembro de 2010

TaanTeatro, Nô e Candomblé

Durante nossa conversa sobre rito de passagem foi possível fazer muitos paralelos com o Teatro Nô. A própria estrutura do rito dividida em três partes equivale ao movimento Jô – Hai – Kil contidos em todas as partes na dramaturgia Nô. Jô: situação inicial, primeira. Hai: elemento modificador. Kil: mudança de estado, transformação da situação inicial. Essa estrutura Tb permeia o rito de passagem do herói e dos xamãs. No caso do herói, o menino cresce (Jô), lança-se ao mundo (Hai), e transforma-se em outro(Kil). No caso dos xamãs o processo é um pouco diferente. Pessoas que passavam por uma situação limite entre vida e morte, como por exemplo: picadas de cobra, doenças, estados comatosos e resistiam a tal processo, ao retornarem eram tidos como especiais, curandeiros, e mereciam assim a mudança de estatuto dentro do coletivo. Vale ressaltar que ambos os casos – herói e xamã – o lugar e momento do rito eram decididos pelos deuses, podiam acontecer a qualquer momento, independente da vontade do candidato ou do coletivo. Trazendo um pouco pro lado do Nô que se divide em 5 temas, a saber: Nô feminino; guerreiro, loucura, de deuses e de demônios. Os shitês (protagonistas) estão sempre em momento limite, entre um mundo e outro, entre a loucura e a lucidez, na passagem entre vida e morte e são considerados entidades. O Nô é um teatro bastante ritualizado e que encaminha essas entidades, traz a redenção, a iluminação, a memória que faltava ao espírito naquele momento, para que ele possa seguir jornada. E para isso conta com a ajuda do uaki (monge orientador) e com a ajuda do coro que também tem a função de sonorizar a cena. Aqui a música existe apenas para valorizar o silêncio. O silêncio. O vazio. O nada. O Ma. Difícil explicar o Ma, conceito que na cultura/arte japonesa é quando o artista faz com que vejamos o invisível, ouçamos o não dito, quando criamos um instante de vazio gravido entre os corpos, uma espécie de tensão sutil e prenhe de muitos significados. Isso está contido na dança, no teatro, na arquitetura, artes-plásticas, na música etc. Do Ma desagüei na Erótica da Tensão, ou seja, permanecer na transição, potencializar a passagem, o momento, o instante. Penso que todos esses pontos têm paralelos com nosso coletivo/ritual/mitológico pessoal e são pontos de apoio que busco para criar conexões durante nosso percurso/processo/aventura criativa. Mas e o candomblé, o que tem haver com isso? Assim como no Nô onde o shitê (protagonista) recebe em seu corpo a entidade de cada história e para isso alguns recursos teatrais são utilizados, tais como máscara, figurino, tambores, representação de um pinheiro no fundo do espaço cênico, a dança, também no Candomblé a entidade ao se presentificar utilizasse de máscara (muscular e fixa), figurinos, tambores, dança e muitos outros elementos como luz, música etc. Todos esses elementos estavam presente em nosso processo NuTaan 2010 e se fizeram concretos nos ritos individuais bem como no RIT.U. Mas, temos aqui, uma pequena diferença: se no Teatro Nô e no Candomblé as entidades são conhecidas para o ator/cavalo que a estuda com antecedência, nos ritos propostos por nós, onde cada performer propôs e protagonizou sua transformação, a entidade revelada aqui ainda é desconhecida. Ao mesmo tempo em que nos transformamos e/ou anexamos outros valores em nós, conscientes dessa escolha, nos deparamos também com o desconhecido em nós e que por outro lado sempre esteve lá, dentro de cada um guardado, escondido, sufocado etc, mas sempre presente e nunca tocado. Esse me parece um ponto fundamental na aventura artística NuTaan 2010, pois ao mesmo tempo em que o processo proporciona a criação artística, o treinamento, a repetição e todos os elementos que compõem a construção cênica por outro lado faz, fez e fará com que cada performer possa lidar durante o labor artístico com o aterramento de sua própria entidade.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Diário de ritos Nutaan 2010

Largo lago de Memória
A Nau Nutaan volta no tempo e atraca no obelisco/falo. Tripulação desembarca pra um mergulho na fonte seca urbana molhada da lavagem. Lágrimas D’Oxun. Espaço passagem, paisagem concreta de ondas urbanas debaixo de uma grande copa de árvore. O rito vai começar. Zerar, coração, leão, no ritmo do mar, e o corpo começa a formigar, como se uma onda de pequenos choques percorresse meu corpo, e o espaço começa a dançar, levando os corpos atados pra lá e pra cá, como um imã entre aqui e o lá.
O lago transborda...
...e como é o mesmo rio, mas, não é o mesmo rio, a correnteza desce por onde soterrado mora Anhangá e a Nau zarpa na rota do chá preparado por mão de branca e preta velha lá do outro lado do rio, que vai lavar levar seus medos, e diluir pesadelos, navegar, nadar em águas límpidas e beber água da fonte.
E que a água lave nossas almas
E regue nossos corpos
E transforme tudo em flor
Em dança de xamãs
Em vagalumesca luz
Em centelhas luzidias
E a serpente engole o rabo
Elo feito, elo dançado
Elo fio vermelho traçado
Silêncio...
Murmúrio
Voz trancada
Ordeno-te
Acorda e bota a boca no trombone
balança o vestido
Grita até acordar e abrir o olho da menina morta
Que esperava pacientemente a Nau passar
E embarcar junto com ancestrais que brotavam do largo Bento
Com fome
Com frio
E (des)construindo universos
A serpente troca de pele
Na cara de Anhagá
Baú de acorde dissonante
Construtores curandeiros tocam com concreto
Música de lavar
Levar a praça concreto
O excesso
Consumir o corpo
Servi-lo num banquete a céu concreto aberto
Prato pão
Feito cão
Comê-lo-ão
Camaleão urbano
Via veias de luz vermelha
Nas entranhas
Sino surreal outro tempo
Outro corpo
E a Nau atraca no domingo monumental
Dando bandeira na praça bola olho central
Pedra Brecheret coberta de carne e barro
Barco empurrado pra dentro da mata
Atraca em tronco ventre e gesta outra cabeça
Cabelo deixado pra trás e banho tomado na boca do lago
Do outro lado homem enfaixado
De paletó
E peito pesado
Deixa na dança a placa âncora
Expectativa (re)passada
Corpo sopro
Sol da tarde
Debaixo da abóbada verde das copas
Catedral kata na mata
Sal na pele gelatinosa
Derrete o passado e dá luz um inteiro
Una
Embate entre a cidade e a delicadeza
Na rampa de acesso à praça sem árvore
O eu e o outro
Corpo pichado, violentado, trêmulo
B(r)usca força se pintando pra guerra
À guerra dos avessos foi um pulo
E do avesso quase esquina da Ipiranga
E São João
Para meu coração corpo sem eu
Corpo teu
Corpo fel
Corpo foda
Corpo pista
De dança
SansaraSexTour no trópico fel(iz)
Direto pra Luz
Bola branca de ano luz
Coreto ocupado e pedaços do outro no chão da
Luz
Sangue bacante de imensa luz
Grandes lábios dão à luz
Sou sã
Cedo seio
Anseia seres quem és?
Seres coro de luz vermelha
Último banho
Nau de luz no lago
Cabelo lavado
Espaço ocupado
Ritos, mitos, ditos, gritos, riscos
De luz

sábado, 29 de maio de 2010

Viajores

1994
e nunca mais te vi.
Salvador, Salvador
Rogai por mim.
Fiquei sem vatapá,
fiquei sem Dadá,
fiquei gargalhar
fiquei.

2010
correndo nos trilhos
dá-me trô polis
dorme voos
daime tempo
estação
Conceiçao
e eu me lembro de vc...
Vou te ver.
Te vi!
canyons catracas passei,
5000 anos te abraçei.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Corpo/Devir

Primeira Caminhada TaanTeatro


Tempo de ‘zerar’ – fico por alguns minutos ‘parado’ olhos fixos no vitral de uma igreja. Aos poucos uma teia se tecia entre os corpos e numa onda fomos levados até a outra extremidade da sala.

IDA - esse momento sutil entre tempo/espaço real e tempo/espaço ficcional, a passagem entre um e outro, o momento tensivo, afinar as cordas. O tempo dilata e o espaço reconfigura-se. Por um breve instante minha visão periférica nublou-se e a luz que entrava por minha retina permitia ver apenas o vitral com nitidez. Sinto vertigem. Meu corpo é levado, suavemente por essa onda de energia; procuro aterramento, sola do pé. Dentro de mim tudo corre , sangue, pensamento. Busco uma respiração calma e profunda que me dará o ritmo do deslocamento. Quando experimento uma respiração curta e sincopada sinto dor de cabeça e volto a respiração anterior. Durante toda a caminhada seria contaminado pela pentamusculatura de outros corpos.

JANELA - a paisagem externa parece estar em outro tempo, e está mesmo, O vitral, de onde não tiro os olhos, está carregado de passado e solene a espera do futuro e aos mesmo tempo é a imagem que me traz ao presente, para a caminhada, à regra. Os outros estímulos da paisagem me dispersam e procuro o vitral/portal.

VOLTA – voltar de costas, de ré, olho na nuca, lentamente; era como se a onda tivesse batido no rochedo. Tenho a sensação que o tempo havia passado só um pouquinho, o que não era verdade. A teia, as conexões, as tesões se formam mas confesso que as sinto tão frágeis como uma bola de sabão. Respiração, relaxamento, tensões e disponibilidade e as expansões se rearticulam. Qual a energia necessária à realização dessa caminhada? Equalizar tensão e relaxamento. Busco sempre esse ponto durante o trabalho.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

EnTrElinHaS

FAZ DE CONTA

Aos 60 anos, a Declaração dos Direitos Humanos continua uma plataforma de boas intenções que ainda não saiu do papel. O art. 27 prevê: "todo ser humano tem o direito de participar da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus benefícios." Será mesmo?

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

De tanto ver triunfar as maldades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto.

Rui Barbosa (1849-1923), jurisconsulto e estadista brasileiro